Capa da Revista Veja nº 431, de 08/12/1976 - Foto: Acervo Digital |
Um fato curioso que ocorreu na Assembléia Legislativa do
Estado de São Paulo, como o do deputado Leonel Júlio (então MDB), presidente da
Assembléia, que perdeu o mandato, em 1976, por renovar, com dinheiro público,
todo o guarda-roupa erótico da sua amante. Comprou o que havia de mais
fetichista na época. Foi o famoso “escândalo das calcinhas”, o mais caliente da
história.
O texto abaixo descreve como foi isso.
As calcinhas e o mandato perdido
Escrito por Paulo Saab, jornalista e analista político.
Em três de
dezembro de 1976 o Diário Oficial da União publicou ato do governo militar,
presidido pelo general Ernesto Geisel, suspendendo os direitos políticos e
cassando o mandato do deputado estadual Leonel Júlio, do então MDB, naquele que
ficou conhecido como "o escândalo das calcinhas".
Eu era
repórter da Folha de São Paulo, na Assembléia Legislativa, e presidia a
Associação dos Cronistas Parlamentares do Estado de São Paulo.
Eu vi, eu
estava lá.
Meus
registros do episódio se limitam à memória, daí a possível falta de detalhes,
mas o fato aconteceu. Também foi testemunha dele (partícipe comigo e com outros
colegas que cobriam a cerceada vida política do País) o jornalista Eymar
Mascaro, então repórter especial do Jornal do Brasil, em São Paulo, e hoje
também colunista do DC (Diário do Comércio).
O deputado
Leonel Júlio, eleito pela região periférica de Ermelino Matarazzo (São Paulo),
tornou-se presidente da assembléia paulista como resultado de entendimento
entre diversas correntes do MDB. Leonel, homem pacato, afável com todos, surgiu
como "tertius", o terceiro nome que não tinha grandes rejeições no
partido, e foi eleito para acomodar o desajuste interno.
Ele tentou
ficar à altura do cargo, apesar de não ter grande base cultural. Entretanto, deslumbrado
pelo poder e pelo cargo, Leonel, mal assessorado, fez viagens e compras com
verbas da Assembléia, com comitivas exageradas. Num de seus retornos, chamou a
mim e outros colegas jornalistas à sala da presidência, onde havia uma mesa
abarrotada de produtos como perfumes, canetas, chaveiros – lembranças de
viajante numa época em que o País era mais provinciano ainda, e pediu que cada
um escolhesse algo.
Explicamos
que, como jornalistas, não poderíamos aceitar, o que o deixou surpreso e quase
ofendido.
A questão
ficou feia, logo depois, quando os jornalistas receberam cópias de notas
fiscais de calcinhas femininas que ele
havia comprado no exterior em grande quantidade. Estas não tinham sido
expostas na mesa e a revelação caiu como bomba entre os jornalistas. Era um
fato grave, por se tratar de dinheiro público.
Sabíamos que, pelo ambiente da época, ainda sob o
AI-5, a publicação da notícia poderia significar a cassação do deputado.
Lembro-me de uma reunião na Sala de Imprensa do Palácio 9 de Julho, onde eu,
pela Folha, Mascaro pelo JB, Ricardo
Sérgio Mendes, pelo Estadão, Geraldo Campos, pelo Diário Popular, Otávio
Junior, pelo Diário de São Paulo e Vera Miranda, pelo O Globo, entre outros,
discutimos o assunto.
Era
nossa obrigação publicar a notícia. Assim foi feito e Leonel
Júlio foi cassado. Houve certo pesar entre nós, porque era visível que o deputado tinha sido até meio ingênuo no
episódio e, além disso, a cassação foi um ato de arbítrio, sem dar direito de
defesa ao acusado.
O Brasil não
pode voltar – seja qual for o grupo ou
ideologia no poder – aos tempos em que se podia condenar alguém, ou impor sua vontade, fora do regime
de Direito. É verdade que a legislação tíbia de hoje favorece corruptos e
infratores.
Mas o melhor
caminho ainda é aprimorar nossos mecanismos democráticos dentro dos limites
legais.
Recebendo comitiva de aeromoças (05/1976) Foto: Acervo Histórico ALESP |
Presidindo sessão solene (09/1976) Foto: Acervo Histórico ALESP |
Imagem: Livro "Galeria dos Presidentes da Assembleia Legislativa de São Paulo" - 2006 |
Fontes:
ALESP - Assembleia Legislativa de São Paulo - al.sp.gov.br
Diário do Comércio - http://www.dcomercio.com.br/index.php/opiniao/sub-menu-opiniao/92716-as-calcinhas-e-o-mandato-perdido
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