segunda-feira, 18 de março de 2013

UM FATO TANTO CURIOSO...


Capa da Revista Veja nº 431, de 08/12/1976 - Foto: Acervo Digital


Um fato curioso que ocorreu na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, como o do deputado Leonel Júlio (então MDB), presidente da Assembléia, que perdeu o mandato, em 1976, por renovar, com dinheiro público, todo o guarda-roupa erótico da sua amante. Comprou o que havia de mais fetichista na época. Foi o famoso “escândalo das calcinhas”, o mais caliente da história.

O texto abaixo descreve como foi isso.



As calcinhas e o mandato perdido

Escrito por Paulo Saab, jornalista e analista político.


Em três de dezembro de 1976 o Diário Oficial da União publicou ato do governo militar, presidido pelo general Ernesto Geisel, suspendendo os direitos políticos e cassando o mandato do deputado estadual Leonel Júlio, do então MDB, naquele que ficou conhecido como "o escândalo das calcinhas".

Eu era repórter da Folha de São Paulo, na Assembléia Legislativa, e presidia a Associação dos Cronistas Parlamentares do Estado de São Paulo.

Eu vi, eu estava lá.

Meus registros do episódio se limitam à memória, daí a possível falta de detalhes, mas o fato aconteceu. Também foi testemunha dele (partícipe comigo e com outros colegas que cobriam a cerceada vida política do País) o jornalista Eymar Mascaro, então repórter especial do Jornal do Brasil, em São Paulo, e hoje também colunista do DC (Diário do Comércio).

O deputado Leonel Júlio, eleito pela região periférica de Ermelino Matarazzo (São Paulo), tornou-se presidente da assembléia paulista como resultado de entendimento entre diversas correntes do MDB. Leonel, homem pacato, afável com todos, surgiu como "tertius", o terceiro nome que não tinha grandes rejeições no partido, e foi eleito para acomodar o desajuste interno.

Ele tentou ficar à altura do cargo, apesar de não ter grande base cultural. Entretanto, deslumbrado pelo poder e pelo cargo, Leonel, mal assessorado, fez viagens e compras com verbas da Assembléia, com comitivas exageradas. Num de seus retornos, chamou a mim e outros colegas jornalistas à sala da presidência, onde havia uma mesa abarrotada de produtos como perfumes, canetas, chaveiros – lembranças de viajante numa época em que o País era mais provinciano ainda, e pediu que cada um  escolhesse algo.

Explicamos que, como jornalistas, não poderíamos aceitar, o que o deixou surpreso e quase ofendido.

A questão ficou feia, logo depois, quando os jornalistas receberam cópias de notas fiscais de calcinhas femininas que ele  havia comprado no exterior em grande quantidade. Estas não tinham sido expostas na mesa e a revelação caiu como bomba entre os jornalistas. Era um fato grave, por se tratar de dinheiro público.

Sabíamos que, pelo ambiente da época, ainda sob o AI-5, a publicação da notícia poderia significar a cassação do deputado. Lembro-me de uma reunião na Sala de Imprensa do Palácio 9 de Julho, onde eu, pela Folha, Mascaro pelo JB, Ricardo Sérgio Mendes, pelo Estadão, Geraldo Campos, pelo Diário Popular, Otávio Junior, pelo Diário de São Paulo e Vera Miranda, pelo O Globo, entre outros, discutimos o assunto.

Era nossa obrigação publicar a notícia. Assim foi feito e Leonel Júlio foi cassado. Houve certo pesar entre nós, porque era visível que o deputado tinha sido até meio ingênuo no episódio e, além disso, a cassação foi um ato de arbítrio, sem dar direito de defesa ao acusado.

O Brasil não pode voltar – seja qual for o grupo ou ideologia no poder – aos tempos em que se podia condenar alguém, ou impor sua vontade, fora do regime de Direito. É verdade que a legislação tíbia de hoje favorece corruptos e infratores.

Mas o melhor caminho ainda é aprimorar nossos mecanismos democráticos dentro dos limites legais.

Recebendo comitiva de aeromoças (05/1976) Foto: Acervo Histórico ALESP

Presidindo sessão solene (09/1976) Foto: Acervo Histórico ALESP

Imagem: Livro "Galeria dos Presidentes da Assembleia Legislativa de São Paulo" - 2006



Fontes:

ALESP - Assembleia Legislativa de São Paulo - al.sp.gov.br

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